Por unanimidade de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu, nesta terça-feira (5), pedido de Extradição (EXT) 1693 apresentado pelo governo da República da Turquia contra o empresário Yakup Sagar, sob a acusação de que teria ligação com suposta organização terrorista. De acordo com o relator, ministro Alexandre de Moraes, parte das imputações tem clara motivação política, e não há comprovação de que o movimento seja terrorista.
Golpe
Sagar é acusado pelo governo turco de pertencer, junto com outras 83 pessoas, ao movimento Hizmet, ligado à suposta organização Fethullah Gülen, que, em 15/07/2006, teria intentado golpe armado contra o governo da Turquia, que tinha como primeiro-ministro o atual presidente, Recep Tayyip Erdogan.
No pedido de extradição, o governo turco apontou uma série de delitos tipificados no Código Penal do país e na lei sobre financiamento ao terrorismo (fraude qualificada, infração da Constituição, crime contra o governo, organização armada e crime de financiamento ao terrorismo). Os crimes teriam sido praticados na cidade de Zonguldak, no norte da Turquia.
Refugiado
Em novembro de 2021, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do empresário para fins de extradição, efetivada em 3/12/2021. Após a realização de interrogatório, a prisão preventiva foi substituída por medidas cautelares diversas, como monitoramento eletrônico. Yakup Sagar reside no Brasil desde dezembro de 2016, com a esposa e a filha, e obteve a condição de refugiado no início de 2022. Atualmente, ele é dono de uma empresa de confecção em São Paulo.
Crimes comuns
Na sessão de hoje, o representante do Estado da Turquia defendeu que os crimes não são políticos e sustentou que Sagar seria responsável por angariar recursos para viabilizar as atividades criminosas da organização, entre elas a intenção de bombardeamento de instituições do Estado turco.
Perseguição extraterritorial
Por sua vez, o advogado do empresário apontou a inépcia do pedido, tendo em vista a descrição genérica dos fatos, e alegou desvio de finalidade do processo, que teria se tornado instrumento de perseguição extraterritorial do governo turco a seus opositores. Ele também apontou risco de submissão do extraditando a um tribunal de exceção e afirmou que a Constituição da República proíbe extradição no caso de imputação de crime estritamente político.
Outro argumento da defesa é que o reconhecimento da condição de refugiado impõe a improcedência da extradição, conforme jurisprudência do STF (EXTs 1008 e 1170). O advogado acrescentou, ainda, que Sagar, além de trabalhar como empresário, não tem antecedentes criminais no Brasil, tem endereço conhecido e sua filha cursou Comércio Exterior no país.
Insegurança nas instituições
Como parte interessada no processo (amicus curiae), a Defensoria Pública da União (DPU) sustentou que o Governo da Turquia tem realizado acusações como forma de perseguição, que se materializa em persecução criminal e, posteriormente, em pedidos de extradição. No mesmo sentido, a Conectas Direitos Humanos salientou que o Estado turco não demonstra respeitar os direitos de seus nacionais e que há uma série de denúncias internacionais contra a prática de perseguição política por meio de extradições. Para a entidade, esse quadro revela insegurança nas instituições turcas, que tem agido em desconformidade com tratados internacionais.
Descrição genérica dos fatos
Para o ministro Alexandre de Moraes, o caso é de indeferimento total do pedido. Ele explicou que o STF, no julgamento de extradições, não analisa o mérito da acusação nem as provas para decidir se a pessoa praticou ou não os fatos, mas apenas examina se os fatos alegados constituem crime na lei brasileira. Para ele, o pedido falou de forma geral sobre a atuação da organização criminosa e depois afirmou que Yakup Sagar fazia parte dela.
Motivação política e condição de refugiado
De acordo com o relator, parte das acusações tem clara motivação política, e não há comprovação de que o movimento Hizmet seja terrorista. Segundo o ministro, o STF não defere a extradição se houver risco de o réu ser julgado por juízes de exceção. “Um dos pilares do Estado de Direito é a independência do Poder Judiciário, que deve ser autônomo e não pode sofrer pressões, coações e perseguições”, salientou.
Outro ponto abordado pelo relator foi a condição de refugiado de Sagar. Ele observou que nem todos os refúgios concedidos que impedem a extradição, mas o artigo 33 do Estatuto dos Refugiados (Lei 9.474/1997) prevê que o reconhecimento dessa condição proíbe o seguimento de qualquer pedido baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio. “Ou seja, a vedação ocorre somente quando os fatos forem os mesmos do pedido de refúgio, como no caso”, esclareceu.
Política abusiva
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes assinalou, ainda, que o governo turco prendeu 2.745 juízes e promotores por supostos crimes contra o próprio governo, servindo como coação psicológica aos demais profissionais que permaneceram em seus cargos. Além disso, a polícia turca também prendeu um dos integrantes da Suprema Corte do país. “Clara e vergonhosamente, o Poder Judiciário vem sofrendo um ataque à sua autonomia e à sua independência”, afirmou. “O juiz natural imparcial é a segurança do povo contra o arbítrio estatal, e, no caso, não há possibilidade de o julgamento ser isento”.
Ao votar pelo indeferimento do pedido de extradição, o ministro também revogou as medidas cautelares adotadas anteriormente.
EC/CR//CF
FONTE: http://portal.stf.jus.br/